quinta-feira, março 27, 2008

encosto

olhando de perto, virei uma alma penada que assombra casas alheias, tilintando chaves erradas pela cidade afora.

vago sem licença por imóveis vazios e encontro vestígios de gente que nem saberei quem. pequenas vergonhas domésticas que deixam de ser vergonhas quando os donos já não estão lá pra corar.

cabelo no ralo, infiltração na parede, naftalina no armário, perna de barata na lavanderia, espelho com borda quebrada, privada encardida, tacos soltos, janela emperrada. sujeiras inocentes de gente que acabou de sair, deixando o cheiro de capítulos que se evaporam aos poucos.

me converti numa larápia que leva na bolsa restinhos de lares recém-desfeitos. porque cansaram, morreram, deixaram de amar, amaram outros, enriqueceram, desapegaram.

ninguém pode ver, mas passeio pelos apartamentos e dentro deles falo sozinha e invento uma disposição pros móveis, penso no espaço da festa e danço, fico sem roupa e abro as torneiras. a água escorre sempre, mas a casa nunca é minha.

5 comentários:

HELENA LEÃO disse...

bonito texto! casa vazia, sem móvel e morador é estranho...anti-natural diria. Não deixa de ser fascinante!Eu também tenho mania de inventar biografias...

Anônimo disse...

bonito mesmo
:)
me senti inspirada pra postar 2 encostos confortables, dpois olha lá.
tb postei um email e 1 um correio de verdade com 4 notas dentro.
bj maricota
vrumm!

Anônimo disse...

menina maria,
lindo demais esse texto de espaços vazios preenchido por um sem número de ausências.

adorei a precisão poética de tuas palavras.

beijo,
mariana

Lorena Martins Lisboa disse...

muito bem escrito.
e claro, sempre surpreendente
:}

Letícia Raposo disse...

menina!
assim fica mais fácil passar por essa fase. vc encontra beleza em tudo...
obrigada, maricota. mais uma vez. :D