quarta-feira, outubro 10, 2007

O Convite de Sarita

O Convite de Sarita

Para chegar na prometida praia, o preço era uma travessia de vinte minutos num barco batizado Sarita, guiado por um certo Capitão Scott. Enfrentou o desgosto vestindo óculos escuros pra esconder seus olhos bem fechados que não viram nada de toda aquela água cercando o pequeno e frágil barquinho. Sobreviveu até o outro lado.

Aliviado ao aportar na vila, inspirou com força, puxando pra dentro o ar de maresia que roçava seu nariz. Eram quase seis da tarde, ave maria, e ele deu de cara com moradores de roupas muy bem passadas que cercavam a porta da capela. Entre os fiéis, pulsava um vestido de linho verde-água sobre as formas de uma moça de olhos suspeitos. Não era vesga, mas conseguia olhar em várias direções num só tempo, confundindo a platéia. Foi o homem ensaiar um aplauso pra sumirem ela, o vestido e o resto do povo igreja adentro.

Deixou então a missa pros que eram de missa e alugou um quarto. Pela janela, descobriu no largo em frente uma lancha atracada que fazia as vezes de um banco de praça. Soprou alívio daquela estar em terra firme e se afogou em banho morno pra sair em busca de cerveja, talvez algum jantar. No balcão do bar-estratégia, acompanhou de novo o movimento na porta da igrejinha, de onde agora escapuliam cristãos devidamente comungados. Um gole ansioso e mais outro, viu enfim a névoa da moça em verde-água. As curvas imperdoáveis e o olhar pseudo vesgo continuavam lá, de forma que não resistiu e cutucou Leôncio, dono do bar, apontando com o queixo na direção do perigo. O outro foi só deboche: "É Sarita".

Dezessete anos, a pepita de Capitão Scott tinha sido trazida na proa do barco, diretamente importada do rio Araguaia. Enquanto Capitão ia e vinha transportando gentes e coisas, ela abatia nativos e turistas que atravessavam seu cenário. Era vício que a danada trabalhava com cautela, pra não ser envenenada pelas matriarcas locais, nem macular o afeto de seu justiceiro. Mais tonto de Sarita do que de cerveja, o viajante pagou a conta e perdeu a fome, de tanta vontade. No rastro da fugitiva, seguiu um caminho torto e desatinou por dentro quando cruzou o largo. Empoleirada feito sereia bem no volante da lancha, Sarita o convidava.

5 comentários:

Lucas dos Anjos disse...

Uma sereia de pés-de-pato!


Beijo

anadangelo disse...

danada

um beijo

xinho disse...

conseguia olhar em várias direções em um só tempo

não viram nada de toda aquela água cercando

pagou a conta e perdeu a fome, de tanta vontade

e desatinou por dentro

Orange disse...

"Sarita" é anagrama de "Sátira", assim como Iracema é anagrama de 'América", a magia das letrinhas em ordem diferentes.

Anyway, palmas, bem escrito, curti a personagem.

Anônimo disse...

que bom entrar de novo por aqui e te encontrar de novo tão bonita, certeira na escolha das palavras, na construção do clima e dessas gentes cheias de detalhes. se me permite, faço um pedido: conte também das gentes da babilônia, seu charme escondido na balbúrdia solitária. conto com você para ajudar na tradução.