maior que um pé de amora
Quando come amoras, pensa na árvore esparramada pelo quintal da primeira casa onde morou e que, hoje, só sabe lembrar em pedaços. Era um quintal pequeno para as ambições da amoreira, mas ela brotou sem nenhuma cerimônia até alcançar cada canto do terreiro. Assombrado de ver aquilo ganhar tanto tamanho sem ter mais chão pra onde crescer, Elias comeu amoras por vinte e sete dias seguidos num daqueles verões antigos, em tentativa de aliviar a árvore carregada. Desde então, tem a boca ligeiramente roxa. Quem olha sem saber da história, pensa que ele é meio adoentado, mas a cor veio do exagero de amoras engolidas por caridade.
Afastando um pouco a folhagem da amoreira e encaixando o olhar entre os buracos da cerca, nos fundos da casa, ele, menino, conseguia ver a pontinha de estrada lá na frente. Abafava dentro de si um suspiro, já na intuição de que ali estava a brecha pras outras terras que um dia ia alcançar. Foi grudado na cerca, acompanhando o barulho dos poucos carros que cruzavam a rodovia daquela vila na rabeira do mundo, que Elias inventou os lugares para conquistar quando fosse mais crescido em altura e coragem.
A verdade é que nunca soube ao certo se estava grande o bastante pra sair dali, fazer seu caminho e desenhar então cada próximo passo só pela sua vontade. Mas deu de ombros e foi embora mesmo assim - numa tarde de quinta-feira, colocou fim naquela murrinha de viver amarrado a delírios silenciosos. Sem pai, mãe, ou amoras, precisou se pendurar em outros enredos e hoje já não pode duvidar que o incerto tem mais gosto e graça do que o confortável.
Entusiasta de certas donzelas macias e sempre alegre quando assunta vontades de vida com os comparsas, é fiel ao seu trajeto invisível e aprendeu a se desgarrar fácil, senão murcha. Entre uma estação e outra, dentro do ônibus ou a pé pelas cidades que cativa com valentia, Elias se acostumou a visitar aquela sua primeira vila em sonhos atravessados. E toda vez que come amoras, pensa na árvore esparramada pelo quintal, mas por hora trota adiante porque a cabeça ainda não sabe fazer o caminho de volta.
* conto integrou a mostra De Passagem, com fotos (como essa aí em cima) de Fernando Grilo
4 comentários:
maria, adorei o livro da mojo, salve o viejo bowie! beijooo
q bontinho o texto...o rapaz tao solidario a arvore de amoras heuheuh =)
faz um motim em mim. um motim assim, de amoras.
si, maria, yo mesmooo.gostei muito do livro do bowie!!! parabens e beijo
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