segunda-feira, janeiro 10, 2005

minutos atrás, um cliente não se dignou a bater a ponta do cigarro no cinzeiro de plástico ao lado e deixou um punhadinho de cinza esparramado em cima do balcão. confirmando ser a alma miserável que sugeria sua aparência, nem viu a mazela deixada ali. meteu a mão no bolso esquerdo, largou as moedas do café ao alcance da moça e pôs um pé na frente do outro sem se dar conta de nenhum desses movimentos. de costas para o trailer se foi, carregando na sola a certeza de que precisava chegar a algum lugar.

quando o zunido da beira da estrada deixa de incomodar, por ser tão insistente, e as caras dos clientes parecem ser todas iguais como a daquele homem, se arrastando em uma mesma pegada, qualquer coisa pode virar distração. para a moça que cuida do trailer, a paisagem é tão seca que ela é capaz de transformar o tal montinho de cinza derramado em um pedaço de novidade. pelo menos durante um quarto de hora.

da calçada, vejo seus cabelos luminosos, que parecem não se alinhar ao espírito meio entregue aos cacos. uns olhos displicentes que contam moedas, descansam no vermelho da caixa registradora pra depois mirar de novo a superfície manchada pelo rastro de cinza.

olha a sujeirinha à sua frente como se descobrisse um brinde inesperado, mas a manhã é tão surda quanto as outras. na trégua até os próximos clientes, larga os braços sobre o balcão, apóia a cabeça bem perto do monte cinzento e cuida de trancar a respiração dentro dos lábios atacados de batom: não quer espalhar de uma só vez o pó. pelo restod a tarde, seus dedos vão desenhar, em linhas certas, paisagenzinhas de casas e sóis que ficam bem longe daquela beira de estrada.

Nenhum comentário: