"Minha mãe tem um acesso súbito, sempre no fim da tarde, especialmente na estação seca, e manda lavar a casa de alto a baixo, para limpar, diz ela, para sanear, refrescar. A casa está construída sobre uma plataforma que a isola do jardim, das cobras, dos escorpiões, das formigas vermelhas, das inundações do Mekong, das enchentes que acompanham os grandes tornados da monção.
Essa situação da casa, acima do solo, permite que ela seja lavada com muita água, que seja totalmente regada, como um jardim. As cadeiras estão sobre as mesas, toda a casa molhada, o piano da sala está com os pés mergulhados na água. A água desce pelas escadas, invade o pátio, correndo para a cozinha (...)
Todos estão descalsos, a mãe também. A mãe ri. A mãe não tem nada a dizer contra ninguém. A casa exala um suave perfume, cheira deliciosamente a terra molhada depois da tempestade, um cheiro que nos deixa loucos de alegria, especialmente quando combinado ao outro cheiro, o de sabão de Marselha, o cheiro da pureza, da honestidade, do linho, da brancura, o cheiro de nossa mãe, da imensidão da candura de nossa mãe. A água desce até a rua. (...)
A mãe está muito feliz com toda aquela desordem, a mãe pode ficar muito muito feliz em certos momentos, momentos de esquecer, de lavar a casa, que concorrem para a felicidade de minha mãe. A mãe vai para a sala, senta-se ao piano, toca as únicas músicas que sabe de cor, que aprendeu na Escola Normal. Ela canta. às vezes brinca, ri. Levanta-se e dança, cantando.
E todos pensam e ela também, a mãe, que podíamos ser felizes naquela casa em desordem, transformada em um lago, um campo à margem do rio, um vau, uma praia.
São os filhos mais moços, a menina e o irmãozinho, os primeiros a se lembrar. Param de rir subitamente e vão para o jardim, onde a noite está chegando."
M. Duras
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