quarta-feira, fevereiro 11, 2009

estratégia de mulher-alga



I

as dúzias de piscinas de plástico espalhadas pela longa faixa de areia me causaram impressão assim que cheguei. sempre juntas a um par de cadeiras com sombrinhas, elas refletiam a luz do sol e mantinham a água lá dentro quase tão quente quanto o mar do Nordeste.

não eram mais as piscinas domésticas que conheci, com estampas capazes de convencer uma criança de estar cercada de peixes e seres do mar. essas eram decoradas com fracas imitações azuis de ondas, mas que me importava? minha nostalgia submarina havia se concentrado, com os passar dos anos, no único bicho que agora finalmente estava ao meu alcance.

II

a missão que me levou até ali dependia não de um plano reto e racional, e sim da minha força para transformar medo em vontade. naquele janeiro perdido em algum calendário, eu fui ter com tubarões.

escolhi o pedaço da praia sinalizado com a maior e mais temível placa a indicar a presença deles e me plantei dentro de uma das piscinas de aluguel. mergulhada no tanque azul, tomava todos os suculentos caldinhos de marisco que os meninos jorravam de suas garrafas térmicas. antes de tudo, era preciso cheirar a peixe e ganhar um pouco mais de carne.

acompanhava canelas grossas, perninhas de criança e rabos de moça se lambuzando na maré baixa, hora em que o animal, diziam, não cruzava pro lado de cá. e nunca veio mesmo. se comia pernas e pedaços de barriga vez ou outra era porque os surfistas nasceram desaforados demais pra se contentar com seu pedaço de mar. enquanto aquela gente de praia afogava os dias e gastava o verão, eu me nutria e me bronzeava vagarosamente para ele.

III

ao fim de três semanas, a piscina retangular era uma poça de lodo e larvas se multiplicavam a enroscar minhas pernas de alga. da água turva surgia minha pele, curtida e brilhante da cintura pra cima. de turista ordinária, me transformei num pequeno pântano cravado na areia de boa viagem.

a alguns passos, os meninos dos caldinhos estavam quietos
fumando em roda no fim de tarde quando me ouviram chamar. pedi a eles que me arrastassem para a beira, pois meu corpo já não se erguia depois de tanto sal e calor.

disseram que já era maré cheia, mas expliquei ser um mergulho só. além da dupla, outros três maconheiros achando graça na louca da praia puxaram no muque meu tanque plástico até que a água quase tapasse minha cabeça. dali voltaram de ré pra poder contar, depois e sempre, que a morena coberta de algas tinha encontrado seu tubarão, à espera, na quarta onda à esquerda dos arrecifes.

Nenhum comentário: