domingo, julho 01, 2007

Fuga em Verde-Água

Para Sarita, foi uma coincidência feliz o capitão Américo Scott ter amarrado a corda de seu barco em Água Boa. O rio Araguaia andava um pouco temperamental naquele fim de setembro e por isso ele achou prudente descansar dois ou três dias na cidadezinha. Mesmo navegando em água doce, Américo Scott era marinheiro em sua alma, guardava uma coleção de afetos e safadezas que só ia aumentando a cada desembarque.

Essa ânsia por infiltrar paixão nos olhos das moças chegou com ele também em Água Boa. Foi cair a noite e Scott deslizou pela escada do hotel para ganhar a rua, pronto a laçar a fofa que mais lhe aniquilasse. Essa uma seria Sarita. Entediada das paisagens sempre as mesmas de Água Boa, a menina já alinhavava há tempos um plano de fuga. Dezesseis anos não eram tanto, mas o bastante pra ela entender que não podia mais assistir a histeria caipira da mãe, nem as galinhas confabulando no terreiro e muito menos a falação de toda gente. Naquela roça ribeirinha, ninguém poderia compreender sua adorável loucura e a mania de presentear com beijos e agrados os moços que lhe eram caros. Era hora, então, de partir.

Bem antes do marinheiro avistar Sarita no Clube Nacional, ela já sabia que seria o barco dele o seu transporte pra qualquer lugar longe daquela vida arrastada. Em casa, ao se preparar para o baile, ficou nuinha em frente ao espelho do quarto e se mediu parte a parte com os olhos, só pra ter bem firme na memória o quanto era bela. Sabia que a convicção seria sua arma mais fatal sobre Américo Scott. O vestido escolhido foi verde-água, pra combinar com os olhos, e ela emendou ainda uma fita fosca no cabelo, como tiro de misericórdia.

Desavisado e acostumado a trabalhar no comando, capitão adentrou no clube vasculhando cada pedaço do salão em busca de sua próxima presa. Acontece que desta feita, a presa seria ele. Depois de calculados trinta e quatro minutos, tempo para o homem degustar dois martinis longos, Sarita atravessou o pátio e se deixou ser vista, fingindo ser uma caça suicida que desfila pro algoz. Dali em diante, não foi preciso mais nenhum esforço, o trabalho estava feito e era irreversível.

Américo Scott desamarraria seu barco do porto de Água Boa na manhã seguinte, acompanhando hipnotizado os passos de Sarita, que só concedeu piscadela ao amante depois de ocupar em definitivo a proa.

11 comentários:

[thefa] disse...

gostei do seu estilo de escrita. de verdade.

projeção imaginária.


muito bom...

Lucas dos Anjos disse...

Não sei como ainda teimo em me surpreender ao ler ótimos textos por aqui. Junismo, meu deus.

Beijos

PS> Vortô?

Anônimo disse...

lindeza - quero a proa de um barco pra mim! ;)
lindo texto
bjo+saudade

maria lutterbach disse...

oi, thefa! valeu pela visita! fui lá te espiar, mas acho que vc não anda postando ultimamente...1 bjo

salve, lucas. vc é um anjo, hihi
voltei sim! mas já me vou de novo...agora pra ouro preto. chama nanô e vai lá passear!

xuxuuuu :***
vem logo!

Anônimo disse...

um pingo de poesia! como sempre.

Anônimo disse...

Olá. Parabéns pelo texto, em seu aspecto formal. Sem querer parecer inconveniente, confesso que não entendi aonde quis fazer chegar o conteúdo. Não percebi um desenvolvimento e sequer uma virada na história que justificasse ou, principalmente, expandisse a qualidade estilística que você obviamente possui. Beijo.

maria lutterbach disse...

as viradas. parece que tenho mesmo um dilema com elas...hihi
mas, nesse caso de Sarita, acho que vejo sim uma reviravolta. o capitão representa a fuga - que acontece no momento em que ela pisa no barco. volte mais =)

Anônimo disse...

Adorei seus adjetivos, seu texto flui muito bem...

Anônimo disse...

É o fim?

maria lutterbach disse...

fim? neeem!
fui ali e volto j� =)

Cidadão Cão disse...

Tem. Mas acabou.