terça-feira, março 20, 2007

ruídos em Letícia


A escola é uma casa modesta de madeira com uma salinha só, um banheiro e uma varanda pequena. Em volta, vai toda cercada de madeira mal-ajambrada, feiosinha mesmo, mas ninguém liga que seja assim. Demorou pra ter escola na vila do Corró e foi uma alegria infestada quando conseguiram subir ela do chão. Mesmo sem muita pintura e com umas frestas ainda por tapar, todo mundo da vila acha que a ela já é boa demais, uma benção pros meninos. Foi um custo construir porque a chuva seguia eterna e a estrada de terra derrapava tudo – carro não andava nem meio metro, bobagem até tentar.

Letícia mesmo assistiu a carreta com o material atolar umas cinco vezes. Chorava que era de dar dó. Cada vez que o sol abria, ela corria as canelinhas e montava na porteira pra esperar: “Sem chuva, ela passa”. Escutava lá longe o barulho da carreta que depois virava um pontinho branco na estrada e crescendo, crescendo, chegava sacolejando ali bem na frente dela com os tijolos e as ripas e os sacos de cimento trazidos da cidade. Era a escola acontecendo aos poucos.

No dia que viu a salinha pronta, Letícia chorou outra vez, mas já foi choro bom porque sabia que no dia seguinte ia poder usar a camiseta branca, o short azul-marinho e a bota sete-léguas. A roupinha tinha ficado guardada no armário pra mais de ano e agora já apertava um pouco, mas ficou formosa mesmo assim por causa do sorriso que a pequena estampou pra abocanhar aquela primeira manhã de escola.

Do mesmo jeito que Letícia, tem outros 30, 40, com umas vozezinhas agudas que fazem o Corró ter um ruído certo todo dia, sempre das sete até às onze, hora de bater o sino e eles voltarem pra casa. É um barulho que começa devagar, mas vai ganhando fôlego com meninos falantes enlouquecendo a tia e Letícia cantarolando no recreio as cantigas do jeito que ela imaginou. Canta forte e bem gritado, mas pensa baixinho que sonho é bom quando acontece.

5 comentários:

Anônimo disse...

formusura sete léguas
lindosidade
adorei, beijoca
ana

maisoumenando nadismos disse...

Não tem estrada que atrapalhe um sonho bem sonhado. Ainda mais de criança que tem tempo pra esperar de camiseta branca e short azul-marinho.

Lindo o texto

Beijos

Lucas dos Anjos

Anônimo disse...

me encantou, maria. me encantou.

Anônimo disse...

Maria,

que boniteza a maneira que você no leva pela mão com suas frases. Bom demais esse passeio. Teve cheiros.

Você vai se aproximar das bandas de cá?! Ora, pena que não vem a Salvador... vê se dá uma esticadinha pra cá!

beijo grande!

maria lutterbach disse...

Ah, Vânia, bem que eu queria mesmo dar um chego até aí! quem sabe eu consigo? a gente vai se falando, né? gosto mto das suas visitas aqui. 1 bjo!