– Eu odeio quando a obesa anda no quarto lá de cima, pois aquilo que separa o primeiro piso do chalé que estou para o segundo é apenas uma tábua de madeira bem fina, e aí é como se fosse um elefante andando em cima de gelatina, não, essa seria uma imagem muito delicada para descrever o que vivo, melhor seria a de um gigante asqueroso que, quando anda, faz tremer tudo. Tudo treme, e o barulho que ela faz?
É um incômodo, é terrível, cada pisada é como se fosse o mundo desabando, e eu, sentado diante do computador no andar abaixo, a vejo passar de um lado para o outro e sei exatamente onde ela está e para onde ruma, o teto cede, ele enverga embaixo dos seus pés, eu odeio a falta de delicadeza dela, ela odeia também, é obesa, mas fode toda noite com um cara que mal conhece, que conheceu na internet, o cara veio aqui um dia, ficaram conversando, eu escutei um pouco da sua história, ele tem uma filha fazendo quimioterapia e disse a ela que nunca fez universidade, que a sua universidade era a vida, veio aqui um dia, como quem não quis nada, no outro retornou com a desculpa de montar um armário, justamente o que fica agora no meu quarto, e depois da tarefa cumprida, ela: “vc tem que ir?”, ele: “não, não tenho mais nada para fazer hoje”, e ficou, eu lá em cima e escutando a conversa, e ele chegou nela, nunca pensei que isso fosse acontecer, pra mim ele queria somente uma janta, e ele chegou nela e foram pra guerra, foderam a noite toda, um barulho desgraçado, no outro dia ela meio envergonhada, “desculpa os ruídos”, desculpa o caralho!, mas o que iria dizer, além de “nada, não quero que vc deixe de fazer nada que não faria por minha causa”? Afinal, ela é obesa, quantas pessoas comeriam uma?
Só sei q depois disso o homem cuja filha tem câncer volta repetidamente, teve um dia que a vi toda preparada e deduzi que ele viria, saí, falei comigo mesmo “vou me perder na noite e voltar só no outro dia pela manhã”, saí às oito mais ou menos, sentei num pub, bebi pra caralho, conheci dois ingleses e duas paulistanas, fumamos um fino na rua, depois disso fui a um bar mais mocado chamado La Cantina, lá fiquei com uma australiana, mas de olho na holandesa, a australiana foi buscar uma bebida e na volta deve ter me visto de chamego com a holandesa e se foi, aí eu cheguei na holandesa que me perguntou “where´s your australian friend?” no que eu respondi “did she exist?”, e ela: “you are soooo bad”, bad é a puta que te pariu.
Voltei pra casa às sete e meia da manhã e pra minha surpresa a obesa e o pai da cancerígena ainda estavam trepando, não acreditei, comi a macarronada que havia sobrado com o nheco-nheco na cabeça, e fui dormir com ânsia de vômito pelas bebidas, pelo descalabro, por aquele barulho que faz quando a gente soca algo que é sólido mas mesmo assim sai água, e ela mora num chalé de teto fino, é obesa, de tábuas que parecem que a qualquer momento vão ceder, e caso isso aconteça é bem provável que ela caia um belo dia bem em cima de mim, que merda!!! O que ela ta fazendo agora??? Parece que resolveu dançar qualquer música de preto lá em cima. Ela vai cair em cima de mim a qualquer momento, puta que pariu!!! E, se ela cair, vou ficar tetraplégico, e ficar sedentário, engordar, e nem vou poder andar que nem ela anda, um andar que enverga o teto, que abala o mundo, essa aí, a cada passo que dá, eu fico mais perto do inferno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário