A chegada da nova menina causou deslumbramento e algum temor nas crianças das famílias próximas. Depois de apresentada aos outros, ela mostrou os brinquedos trazidos da capital de maneira generosa, mas também como quem coloca os dotes sobre a mesa. Se chamava Lia e deveria ser acolhida como amiga.
Fazia só alguns meses que estava na vila quando Bárbara chamou um grupo pra passar a tarde na fazenda do pai. Era um ano mais velha, então conseguia se impor por força diante da novidade ameaçadora de Lia.
Talvez estivesse esperando por aquele dia desde o primeiro encontro, ou talvez a revanche lhe fosse impalpável e involuntária. Mas ela aconteceria naquela tarde. O almoço era um carneiro ou alguma outra carne escura que ainda demoraria algum tempo pra assar, então Bárbara guiou seus convidados num passeio a cavalo.
Todas as crianças estavam à vontade na função, com exceção de Lia, que não sabia montar e teve de aceitar a garupa da anfitriã, a mais experiente com os bichos. Tão experiente que decidiu não selar sua égua e as duas precisaram subir na carroceria de uma caminhonete pra ganhar altura e montá-la.
Lia estremeceu ao sentar no animal e sentir o osso que fincava seu cóccix.
Deixando pra trás a casa e a sombra da mangueira, o grupo cruzou rápido a porteira e logo sumiu da vista dos adultos na trilha que levava ao pasto. Como o sol do centro-oeste sapecava os bracinhos e bochechas juvenis, o primeiro vento contrário foi alívio para Lia, que por pouco esqueceu o osso pontiagudo da égua.
Mas tudo ficou mais e mais veloz à medida que Bárbara batia nas ancas do bicho e soltava no ar beijos estalados que faziam aumentar o galope. Os outros meninos corriam, sorriam e beijavam juntos o ar enquanto o osso machucava a bunda de Lia.
A dona dos cavalos não diminuiu o trote quando Lia pediu, tornou a pedir e disse por favor uma vez mais, já chorando porque o osso parecia perfurar e ela sentia que podia cair a qualquer próximo passo.
Nem Bárbara nem os outros viram o choro ao vento de Lia, que pensou em salvação ao avistar um homem se aproximando do grupo. Só diante do pai de Bárbara gritando para o almoço o grupo freou a corrida. Assim que pararam e antes da poeira baixar, Lia se atirou no capim com a certeza de que não subiria outra vez ao inferno.
Foi o homem quem levantou do mato a criatura com olhos inchados. Quando viu a égua sem arreio e a menina desolada, mandou a filha pra um estábulo à esquerda, arrancou de um arbusto o galho verde que estalou e seguiu Bárbara. Parados de longe, Lia e os outros escutaram a surra seca.
No almoço, comeram todos calados sob o zumbido de varejeiras que se equilibravam na borda dos copos de groselha.
3 comentários:
Olá!
recebi um selo para o meu blog e estou repassando para vc.
De uma passada lá para pegar!
bjim!
beijos de groselha a galope, prato fino da culinária maricoteira
Lendo teu texto, vivi um momento "direto do fundo do baú". Coisas de menina, férias na fazenda.
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