Ao mostrar a vida e o crime nas favelas com Cidade de Deus e, depois, tocar na polêmica sobre a indústria farmacêutica em O Jardineiro Fiel, Fernando Meirelles se apresentou como um diretor ligado aos conflitos do mundo contemporâneo. Ensaio sobre a Cegueira, inspirado na obra de José Saramago, traz de novo a perspectiva do cineasta sobre as deficiências da sociedade, mas desta vez com uma dose extra de pretensão filosófica.
Sob a perspectiva fantástica do livro homônimo do autor português, o filme reproduz um mundo onde todos sofrem inesperadamente de uma "cegueira branca" e passam a viver trancafiados numa espécie de sanatório abandonado. Todos, com a exceção da personagem de Julianne Moore, que de forma inexplicável continua enxergando e se torna guia não só do marido médico (Mark Ruffalo) e da prostituta interpretada por Alice Braga, mas de toda uma horda de cegos.
O ditador sem escrúpulos de Gael García Bernal é o lado B do que passa a ser uma luta por sobrevivência levada a cabo às custas de crueldades como assassinatos e estupros em massa. Alvo de duras críticas da imprensa internacional, Ensaio sobre a Cegueira, que abriu o Festival de Cannes deste ano, talvez mereça atenção justamente pela audácia de Meirelles em realizar um projeto desse alcance.
Enquanto gasta muito tempo na superfície dos temas que ambicionava colocar em debate, o longa ganha pontos com a fotografia de César Charlone, que mergulha as imagens num branco ofuscante. Mas, para um filme obsessivo em ser fiel às passagens de um livro sobre cegueira social, é irônico que imagens se sobreponham a idéias. Nas cenas rodadas em São Paulo, por exemplo, parece mais estimulante poder enxergar o caótico centro da cidade esvaziado do que acompanhar a agonia de cegos que vagam, medrosos, agarrados uns aos outros.
* Colaboração para o Guia do Estadão
Um comentário:
mmmmmMMMMmmmmvolversh!
Beijo
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