sábado, abril 26, 2008

partida

uma águia grande e de olhos venenosos vive agora presa por uma cordinha em frente à casa branca aqui do lado, onde antes não morava ninguém. a corda amarra só um pé dela, de forma que meus passos são muito apressados quando preciso atravessar o beco. eu podia dar a volta e passar pela outra rua, mas seria uma covardia suada, então só aperto o passo.

e disfarço porque desconfio que, se entregar meu medo, ela vai arrebentar de uma vez a coleira e me carregar pelos ombros pro nada. pra sempre no ar, com aquelas unhonas fincadas ali tão perto do pescoço. nem. viro o rosto quando ela me encara.

à noite, só eu em casa paro pra espiar, do jardim, os gravetos ardendo na fogueira vizinha. é fogo pra dois adultos, duas crianças e uma águia. mesmo sem nenhum vidro nas janelas da casa, ali faz silêncio. escapam só esses estalos de graveto e alguma vasilha lavada na bacia com mangueira. o resto, como segredos e trajetos, eles murmuram entre si em código mambembe.

mudinhos e de sono frágil, os filhos não recebem qualquer anúncio sobre a partida. numa madrugada, levantam e na cara do pai entendem o próximo caminho. é o mais velho que cuida de desatar o nó no pé da águia.
do alto, ela vai acompanhar a família sempre meio quilômetro adiante na trilha, de quando em vez gritando em festejo por voar.

3 comentários:

Anônimo disse...

me encanta. belo texto,so pra variar

Anônimo disse...

Muito legal o seu blog. Peguei o endereço no site da Mojo Books. Puxei o seu livro "Ziggy Stardust", mas ainda não li. Se puder, visite o meu blog: http://contorcidos.blog.com/

Léo

Lucas dos Anjos disse...

Tem cara de sonho, Maria. Lindo.

Beijos mil.