em terra firme
Como nunca se atreveu a perder de vista as terras onde foi menino e cresceu homem, Baltazar não sabia nada de cidade grande. Cidade, pra ele, vinha na cabeça só em forma de um sentimento confuso, sem lembrança de cheiro nem de limites e às vezes trazendo um pouco de aflição porque fazia pensar: “se o mundo é tão maior, melhor quietar e nem tentar muito”. Claro, ouvia sempre causos chegando de todo lado pela boca dos viajantes que vira e mexe tomavam o ônibus, achando a maior animação ficar enjaulados ali dentro por horas a fio. Tudo só pra chegar na cidade, fazer andanças, comprar coisas de cidade e voltar, com aquele sorriso de canto de boca que diz: “estive lá”. Baltazar nem se coçava.
Primeiro porque não tinha muito assunto para tratar com o povo da capital. Depois, estava sim senhor até bem satisfeito com seus botões e com Deus. Cresceu menino de rio e de pasto naquela lonjura de interior da Bahia e o que tinha aprendido era sobre se movimentar no ritmo em que a luz do dia mandava - pescando e catando com a rede uns bichinhos que ele chamava de camarões de água doce. Tinha até tentado por um tempo a escolinha do Corró, mas achava muito mais graça em descobrir os cantos pardos escondidos pela roça. Por fim, já tinha vasculhado tudo em volta e custava achar alguma coisa que pra ele fosse nova. Mas novidade também toda hora, pra quê?
Conheci Baltazar nos meus cinco ou seis anos, quando meu pai me levava para passar férias esverdeadas na fazenda. Me encantava e brilhava os olhos de criança para aquele moço surrado de poeira que se encostava na hora do descanso e levava uma eternidade fabricando o cigarro de palha ideal. Quando lembro dessas poucas vezes em que me meti a encarar a roça com meu pai, me vem também a cara calma de Baltazar e sua fumaça de fumo de rolo ajudando a espantar as muriçocas baianas, que ainda assim me faziam de banquete.
Era sempre ele e um cão roceiro do lado com um jeito desgostoso por causa da quentura do sol. Ou talvez o desalento canino fosse culpa das caminhadas infinitas que Baltazar inventava de fazer quando sentia falta de vento. Baltazar na frente e o cão amuado atrás, enfrentavam bons pedaços de terra e algumas porteiras até chegar na ponta da estrada onde o ônibus passa e carrega os que partem em direção `a cidade. Um pouco de longe, os dois paravam para espiar aquela gente toda entrando no ônibus e exibindo alegria só de imaginar o gosto da viagem. Um olho na estrada e outro no fumo, Baltazar escuta o arranque do motor e acompanha o som valente do ônibus até ele quase sumir na linha lá no fundo e virar um ponto branco que se perde, deixando o resto vazio.
3 comentários:
você trata as palavras com tanto carinho..
bjo.
Conheci Baltazar...contigo compartilho de criança essa mesma fascinação.
Hoje Baltazar me fascina por outro motivo : É uma das RARAS excessões.Um achado.Consegue se sentir SATISFEITO.
E urbanos, tal qual fomos feitos, só continuamos a afirmar a beleza da nossa natureza: QUERIAMOS sentir isto tambem.
Belos textos. Melhor ainda é conhecê-los sabendo quem os escreve.
Bjs
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