Catou ali entre os retalhos antigos uma flor arregalada e pregou na lapela antes de descer as escadas para decidir, já na rua, o que seria feito das próximas horas. Nem fazia um mês, ele tinha se cansado de pegar o mesmo ônibus toda manhã e parar na mesma rua ensandecida para entrar na loja religiosamente às oito e começar a vender com descrença os artigos de festa. Serpentinas, chapéus em cones, apitos e canudinhos empoeirados que só faziam sua progressiva falta de assunto e de graça parecer mais alegórica. Espremido entre balas e cores, entendeu que era urgente largar um pouco daquilo e viver alguns dias bons até que o dinheiro acabasse de novo.

Podia então se dar ao luxo dessa flor hoje na lapela, de um espreguiçar demorado antes de fincar os pés no chão e do café sem-vergonha na padaria da esquina. Os dias eram dele, o tempo estava às suas ordens e ele nem queria pensar que logo ia precisar de outra chatice qualquer que lhe garantisse as contas. A hora agora era de tratar dos detalhes largados pra trás na correria que insistia em abafar seus bons e raros lampejos. O texto por terminar, uma ligação pro amigo infalível, o óleo que faltava pra calar a porta ranzinza. Essas e algumas outras miudezas que, juntas, valiam mais do que aquilo que tinha cavado espaço na rotina antiga, besta e predatória.

O plano depois do café-com-pão foi atravessar ruelas e avenidonas e olhar em volta com cara bem admirada pro mundo. Inventando namoradas dengosas entre as passantes, viu que também tinha largado de lado o prazer em contemplar essas certas mulheres que andam por aí deslizando em cima de pernas intermináveis. Quando deu noite, venceu as escadas de volta pra casa já com menos drama pregado na alma. Como uma aparição que agora ganhava força dentro dele, a visão das pernas escorregadias foram deleite suficiente pro escuro das horas seguintes - ainda mais porque teimavam em dançar juntas, na mais perversa e embriagante sincronia de que já se teve notícia.