Filhota - é como me chama minha mãe nas melhores horas
O sonho foi assim. Moça que sou hoje, participava de uma espécie de reunião de ex-alunos na minha escola de infância. Naquele tempo e espaço meio absurdos que os sonhos têm, a cena seguinte foi a de um turba de crianças saindo de uma piscina e vindo ao nosso encontro. Parei porque não acreditei na delícia de ilusão que começava a se apresentar. Entre os pequenos, quem vi fui eu mesma, com uns cinco, talvez seis anos. Despreocupada, a Maria-criança foi se desgrudando dos outros meninos e vindo, em ritmo próprio, na minha direção. Pude pegar na mão dela e, sentindo seu sorriso sapeca bem de perto, pasmei ao me reconhecer de um jeito tão improvável. Era eu ali. Na pele, nas pintinhas, na espessura do cabelo.
Foi só isso — ou tudo aquilo — o bastante para que eu levasse a semana inteira com a vida vidrada em tudo ligado a infância. Me veio o cheiro do chocolate que uma vez impregnou uma certa bolsinha de plástico e nunca mais saiu; a mania de deitar com a cabeça na barriga da minha mãe para escutar, absolutamente reconfortada, os barulhos que aconteciam lá dentro; o peso da caixinha cheia de moedas que eu troquei por um punhado de chicletes baratos; a picada de abelha em plena busca pelo ovo de páscoa no sítio. Imersa nessa bolha de memórias que não interessam a ninguém (e que justo por fazerem todo sentido do mundo só para mim, me pareçam tão saborosas), fui levada ontem `a tarde a uma escola, para uma entrevista.
Primeiro, me colocaram para esperar em uma ante-sala com um papel de parede que, se a gente olhasse direito, nada tinha a ver com os móveis, com a cortina, ou com o senhor afundado nas letras de um jornal. Vistos como um conjunto, no entanto, formaram meu pré-cenário ideal para a incursão que iniciei assim que me permitiu a recepcionista. "Você vai ter que subir vários lances de escada", ela disse, iludida de que me desanimaria. A cada novo andar, mal imaginava ela, o que eu desejava eram outros cinco, tamanha a minha vontade de respirar aquele espaço.
Era hora do recreio e as crianças tinham deixado as salas. Eu pude olhar tudo sem pressa. As vozes em brincadeira soavam lá longe e, na minha frente, era só o vazio das carteiras de madeira, o quadro negro ainda com as tarefas explicadas e as mochilas, cadernos e objetos coloridos adoravelmente espalhados por cada criaturinha calorosa que habitava o lugar. Sei que uma hora o tal último andar teve que chegar e eu precisei me concentrar no que tinha ido lá fazer, mas àquela altura, já tinha de novo me alimentado de sonho. Entendam. O cenário que testemunhei na subida é o que será, depois, pedaço de passado para aqueles que só ouvi de longe. Todos filhotes ainda, como um dia eu adorei ser.
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